Na última quarta-feira (08.06), uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que os planos de saúde não estão obrigados a cobrir procedimentos que estejam fora da lista da Agência Nacional de Saúde (ANS). Atualmente, o rol da ANS conta com cerca de 3,7 mil tratamentos. Contudo, antes da decisão, eles eram considerados de forma exemplificativa, ou seja, se um paciente precisasse de um tratamento não listado, ele poderia solicitar a cobertura adicional ou buscar a Justiça para conseguir ampliar o atendimento oferecido pelo plano.
Com a decisão, no entanto, obter um tratamento que não esteja previsto no rol da ANS fica mais difícil. Ainda é possível acionar a Justiça para obter a cobertura, contudo, a apresentação de provas e a argumentação envolvendo a eficácia do tratamento precisa ser mais robusta e, mesmo assim, o paciente tem o risco de o juiz não acatar seu pedido.
A decisão afeta principalmente pessoas com doenças raras ou enfermidades cujo tratamento não esteja previsto pela ANS, como é o caso de alguns transtornos de saúde mental. Embora não seja definitiva, nem tampouco vinculante, certamente a decisão traz consequências para o acesso a tratamentos e à saúde.
Entendendo a decisão do STJ
A discussão envolvendo a lista de tratamentos da ANS no STJ não é recente. Ela se iniciou em 2019 e no ano passado o Ministro Luis Felipe Salomão já havia defendido que o rol deveria ser taxativo. Na visão do Ministro ter uma lista com procedimentos previamente definidos é fundamental para garantir a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar, além de proteger seus beneficiários.
Segundo o Ministro, caso as operadoras de plano de saúde fiquem obrigadas a cobrir procedimentos indiscriminadamente, isso geraria um alto custo que acabaria refletindo no aumento das mensalidades. Além disso, embora o rol agora seja taxativo, a ANS deve revisar a lista periodicamente a cada seis meses, com o objetivo de incluir ou alterar tratamentos que estejam previstos. Antes a revisão deveria ocorrer somente a cada dois anos.
Por se tratar de uma lista dinâmica, a ANS deve incorporar periodicamente tratamentos e medicamentos que tenham eficácia comprovada. Nesse sentido, é importante destacar que a Lei nº 14.307 determina que no caso de tratamentos oncológicos, a agência deve deliberar em um prazo de até 120 dias sobre a inclusão ou não da terapia. Para os demais tratamentos esse prazo é de 180 dias, porém, a agência pode se negar a incluir o tratamento, desde que apresente uma justificativa.
Novas regras para o rol de procedimentos
Mais do que determinar que o rol de procedimentos é taxativo e não exemplificativo, a decisão do STJ também especificou algumas regras que devem ser observadas tanto pelas operadoras de planos de saúde, quanto para os consumidores. São elas:
– A operadora não é obrigada a arcar com tratamento que não esteja previsto no rol da ANS caso já esteja listado outro tratamento eficaz, efetivo e seguro
– As operadoras podem oferecer a opção de contratação de cobertura ampliada ou ainda podem permitir a negociação do contrato
– Caso não haja um substituto terapêutico e o rol da ANS esteja esgotado pode existir, a título excepcional, a cobertura do tratamento que pode ser indicado tanto por um médico quanto por um dentista, dependendo do caso.
Nessa última hipótese, é importante destacar que o tratamento só será aceito se não for indeferido expressamente pela ANS, além disso, é fundamental que exista comprovação de eficácia do tratamento com base em evidências médicas, haja a recomendação de órgãos nacionais e internacionais atestando o tratamento e exista um diálogo entre juízes e especialistas para autorizar o tratamento.
Direito à saúde e consequências da decisão
A decisão do STJ vem gerando debates tanto entre juristas, quanto entre médicos acerca da acessibilidade a tratamentos. Para muitos, ela foi considerada um retrocesso, uma vez que dificulta a realização de procedimentos e terapias e pode afetar pessoas com doenças raras ou mesmo que necessitem de tratamentos específicos.
Contudo, apesar de prejudicar o acesso, é preciso ter em mente que a decisão não impede que o paciente solicite para a operadora a cobertura do tratamento, ou ainda, busque o Judiciário para obtê-lo. Certamente, o risco da negativa no Judiciário existe, mas nada impede que o paciente entre com um pedido de liminar para evitar prejuízos à saúde ou consequências mais graves de uma doença.
Também é preciso ter em mente que a decisão do STJ não é vinculante, nem definitiva. Na prática, isso significa que os juízes de primeira instância não estão obrigados a seguir o posicionamento do STJ e podem autorizar tratamentos eventualmente. Além disso, organizações não governamentais, que possuem legitimidade para questionar decisões de impacto coletivo, podem levar a questão ao Supremo Tribunal Federal, por meio de um Recurso Extraordinário. Como a decisão do STJ vai de encontro ao direito à saúde previsto constitucionalmente, é possível buscar a Corte Suprema para que se manifeste sobre a questão.
Para quem tem uma doença cujo tratamento não é contemplado na lista da ANS é interessante conversar com um advogado especializado, que seja capaz de analisar o caso e oferecer um prognóstico e uma estratégia. Em alguns casos, acionar a Justiça o quanto antes pode ser a melhor forma de evitar mais riscos e tentar obter o quanto antes o acesso a terapias e medicamentos necessários.
Quer saber mais sobre a questão envolvendo o rol da ANS e a decisão do STJ em nossa entrevista.